Devedor Solidário e Fiador: Diferenças e Implicações da Responsabilidade Contratual nos Contratos de Locação


A locação de imóveis envolve riscos econômicos consideráveis e obrigações contratuais que podem ser de médio a longo prazo, razão pela qual a formalização de garantias e a definição precisa das responsabilidades das partes mostram-se de extrema importância para preservar a segurança jurídica da relação. Nesse contexto, é comum a previsão de mecanismos destinados a assegurar o adimplemento das obrigações assumidas, entre os quais se destacam as figuras do fiador e do devedor solidário.

Embora ambos possam responder pelo inadimplemento das obrigações contratuais, exercem funções jurídicas distintas, com naturezas próprias e efeitos que merecem ser compreendidos de forma técnica e precisa, especialmente no momento da confecção do Instrumento.

O fiador é um terceiro estranho à relação locatícia que, por meio do contrato de fiança, assume obrigação de caráter acessório. Isso significa que sua responsabilidade surge apenas em caso de inadimplemento do locatário e, salvo cláusula expressa em sentido contrário, estará resguardado pelo benefício de ordem, ou seja, tem o direito de exigir que o locador cobre primeiramente do locatário antes de atingir seu patrimônio pessoal.

A fiança, portanto, configura-se como garantia pessoal vinculada à obrigação do devedor principal, sendo formalizada por cláusula específica ou por um instrumento à parte, que deve contemplar os limites da responsabilidade assumida, o prazo de vigência da garantia, e eventuais renúncias a direitos legais, como os benefícios de ordem e divisão.

Em contratos de prazo indeterminado, a lei permite que o fiador solicite a exoneração da fiança, mas ele ainda permanece responsável pelas obrigações da fiança por um período determinado de 60 dias, após a comunicação, exigindo-se, no entanto, atenção quanto à substituição da garantia para manutenção da segurança e equilíbrio da relação contratual.

O devedor solidário, por sua vez, não figura como garantidor, mas sim como parte integrante da própria relação obrigacional. Ao assumir responsabilidade plena e direta pelas obrigações contratadas, equipara-se ao locatário em termos de responsabilização, respondendo integralmente pelo débito, sem que se possa invocar benefícios como o de ordem ou a exoneração unilateral. Nesse caso, a solidariedade implica responsabilidade imediata, desde o início da relação contratual, e eventual retirada da parte solidária exige modificação formal do contrato, com anuência expressa de todos os envolvidos. É importante observar que a expressão “fiador solidário”, embora amplamente utilizada, pode gerar confusão jurídica. É possível, sim, que o fiador assuma a responsabilidade solidária com o locatário, desde que haja cláusula expressa nesse sentido, acompanhada da renúncia aos benefícios legais, mas sua posição jurídica continua sendo a de garantidor, como obrigação acessória. A terminologia empregada nos contratos, portanto, deve ser usada com cautela, a fim de evitar interpretações ambíguas ou distorcidas que possam comprometer a segurança jurídica da relação contratual.

Do ponto de vista patrimonial, cumpre destacar que a legislação confere tratamento distinto ao fiador e ao devedor solidário quanto à proteção do bem de família, que se trata do imóvel que serve de moradia para o fiador e sua família.

Conforme o artigo 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/90, o fiador, em contrato de locação, pode ter seu bem de família penhorado em caso de inadimplemento, dada a exceção legal à regra geral da impenhorabilidade, entendimento já confirmado pelo Supremo Tribunal Federal. Já o devedor solidário não está sujeito a essa exceção, de modo que seu bem de família permanece protegido contra eventual execução decorrente do contrato de locação.

Ainda, vale reforçar que fiador e devedor solidário não são figuras excludentes. Nada impede que ambos coexistam em um mesmo contrato, conforme a conveniência das partes e o grau de segurança desejado para a relação. O essencial é que a redação contratual reflita de forma clara e técnica o papel de cada um, bem como os limites e características de sua atuação dentro da obrigação assumida.

Conclui-se, portanto, que a distinção entre fiador e devedor solidário é fundamental para a adequada organização das garantias contratuais e responsabilidades. Cada figura possui função própria, com efeitos distintos sobre a responsabilização, os mecanismos de saída e a extensão da obrigação. A atenção à linguagem contratual e à natureza jurídica das figuras envolvidas é indispensável para garantir a eficácia da garantia estabelecida e a segurança da relação locatícia como um todo.

Escrito por:

Thaís Pondelli Telles
Advogada – Integrante do Setor de Contratos Empresariais

Brenda Vidal
Acadêmica de Direito

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