
Recentemente, o STJ firmou entendimento no Tema Repetitivo 677, que versa sobre um aspecto fundamental nos processos de execução: a natureza e os efeitos do depósito judicial realizado a título de garantia do juízo. A análise desta temática revela implicações significativas para credores e devedores, especialmente no que concerne à continuidade da incidência dos juros de mora. Este artigo se propõe a analisar a tese fixada, suas nuances e o impacto da decisão de não modular seus efeitos, com o objetivo de oferecer uma visão clara e concisa para empresas e profissionais do direito.
PARADIGMA ANTERIOR E A REVISÃO DO TEMA
A presente análise se motiva pela revisão da tese anteriormente firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no âmbito do Tema 677, instaurado sob a sistemática do julgamento dos recursos especiais repetitivos. Em um paradigma anterior, firmado no ano de 2014 pela Segunda Seção do STJ no REsp n. 1.348.640/RS, o entendimento era de que ‘Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada’.
Contudo, a Corte Especial do STJ, em 2022, após a submissão da proposta de revisão, deliberou-se pela alteração do entendimento anterior. Estabeleceu-se, portanto, a nova redação da tese, firmada no acórdão publicado em 16/12/2023:
‘Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo- se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.
Dessa forma, o STJ elucidou que tanto o depósito realizado para garantia do juízo quanto aquele decorrente da penhora de ativos financeiros não acarretam a cessação da mora do devedor. Isso se deve ao fato de que, em tais hipóteses, não ocorre a imediata entrega dos valores ao credor, ato que configuraria a quitação do débito. Em suma, não se pode atribuir efeito liberatório ao devedor em razão do depósito para garantia, com o objetivo de discutir o crédito, ou do depósito derivado de penhora, por não representarem pagamento com animus solvendi.
DISTRIBUIÇÃO CRUCIAL: DEPÓSITO EM GARANTIA vs. DEPÓSITO DE PAGAMENTO
É essencial distinguir o depósito realizado com o objetivo de garantir o juízo daquele feito com a finalidade de pagar a dívida, ou seja, a purgação da mora (artigo 916 do Código de Processo Civil – CPC). A purgação da mora, quando realizada conforme a lei, tem o efeito de extinguir a obrigação no valor depositado e, consequentemente, cessar a incidência dos juros de mora sobre essa parte.
Por outro lado, o depósito em garantia funciona como uma caução, uma segurança para o credor de que haverá recursos disponíveis caso a ação de execução seja julgada procedente. Ele não demonstra de forma clara a intenção de pagar toda a dívida, incluindo todos os seus acréscimos. A manutenção da mora, mesmo com o depósito em garantia, reflete o entendimento de que a obrigação principal ainda não foi totalmente cumprida.
DO IMPACTO DA NÃO MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO
Um ponto de grande importância na análise do Tema Repetitivo 677 é a decisão do STJ de não modular os efeitos da tese fixada. Isso significa que a interpretação de que o depósito em garantia não impede a cobrança dos juros de mora tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em andamento nos quais depósitos dessa natureza foram realizados antes da data da publicação do acórdão que serviu de base para a decisão.
Essa ausência de modulação traz uma nova perspectiva para credores e devedores. Credores que tinham depósitos em garantia em seus processos de execução podem agora requerer a continuidade da cobrança dos juros de mora, mesmo que o depósito tenha ocorrido antes da consolidação do entendimento do STJ. Por outro lado, devedores que acreditavam que o depósito para garantia suspenderia toda a sua obrigação financeira podem ser surpreendidos com a exigibilidade dos juros de mora no período.
A clareza do STJ ao não modular os efeitos reforça o caráter obrigatório do precedente e a necessidade de sua aplicação imediata por todas as instâncias do Poder Judiciário, conforme estabelece o artigo 927 do Código de Processo Civil.
CONCLUSÃO
Em resumo, a revisão do Tema Repetitivo 677 pelo Superior Tribunal de Justiça estabelece um marco importante ao definir que o depósito efetuado como garantia judicial ou de forma compulsória, resultante da penhora de ativos financeiros, não tem o poder de interromper a mora do devedor, devido à ausência de quitação imediata da dívida ao credor. Consequentemente, os juros de mora, a correção monetária e outros encargos contratuais ou legais continuarão a incidir sobre o débito até que os valores sejam efetivamente disponibilizados ao credor.
Nesse novo cenário, os credores podem buscar a aplicação da recente revisão do Tema e requerer o pagamento da diferença entre o valor depositado judicialmente, acrescido dos rendimentos da instituição financeira, e o valor total atualizado da dívida até a data da liquidação ou da efetiva disponibilização do crédito. A decisão de não modular os efeitos da nova tese confere aplicabilidade imediata a todos os processos em curso, exigindo uma análise estratégica das partes envolvidas.
Escrito por:
Bruno Mattoso
Advogado – Integrante do Setor Direito de Energia
Jefferson Comelli
Advogado – Integrante do Setor Direito Administrativo e Regulatório