A LOCAÇÃO EM CONDOMÍNIOS POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS

Por Ricardo Chicora Marques de Oliveira, advogado da Área de Direito Imobiliário do Casillo Advogados.

Contrato de locação residencial, por temporada ou de hospedagem? Condomínio que possui caráter comercial ou residencial? Há restrição ao direito de propriedade? O que o proprietário deve observar?

Recentemente, tais questionamentos têm provocado grande e relevante debate jurídico entre os operadores do direito, considerando que cada vez mais plataforma digitais como Airbnb, Booking, Homeaway e Tripadvisor têm ganhado destaque entre pessoas que buscam hospedagem em imóveis ofertados por terceiros sem vínculos entre si, onde a negociação e regulamentação é estabelecida pelos sites e aplicativos mencionados.

Por se tratar de um fenômeno diretamente atrelado à constante evolução tecnológica e das relações sociais, a legislação ainda não se dedicou a regulamentar as locações realizadas por meio de plataformas digitais, e tampouco a doutrina e a jurisprudência foram capazes de pacificar o tema até o momento, especialmente no que se refere ao âmbito dos condomínios residenciais.

Para iniciar a discussão, é possível partir do REsp 1.819.075/RS, caso em que a proprietária de um apartamento foi impedida pelo condomínio de “locar” seu imóvel e, após se encontrar derrotada no Tribunal do estado do Rio Grande do Sul, viu-se forçada a alçar sua questão até o Superior Tribunal de Justiça.

Em decisão não unânime, a 4ª Turma do STJ negou provimento ao recurso da proprietária, sob o fundamento de que a utilização de tais plataformas configura espécie de contrato atípico de hospedagem e confere destinação comercial ao imóvel, circunstância que extrapolaria a finalidade estritamente residencial do apartamento, como estabelecia a convenção do condomínio.

Em que pese tenha restado derrota a proprietária nesse caso específico, vale ressaltar que o julgamento supracitado, além de não unânime, não possui força vinculante e não se estende a casos similares, limitando-se a servir de combustível para a chama de uma discussão jurídica que merece ser melhor debatida.

Antes de chegar ao resultado, os Ministros que participaram do julgamento se depararam com os mesmos questionamentos redigidos no início do presente artigo, como, por exemplo, em que espécie de contrato a relação negocial poderá ser inserida? 

Na visão deste autor, divergente do entendimento do STJ, seria possível enquadrá-la como relação contratual puramente atípica, sui generis, eis que a relação negocial intermediada por plataformas digitais dessa estirpe não guarda qualquer similitude com o contrato de hospedagem, que tem como característica essencial a prestação de serviços aos hóspedes – o que, além de não ser regra, é muito incomum nas plataformas digitais.

Da mesma forma, também não poderia ser enquadrada como locação residencial ou comercial – eis que não se destina à moradia permanente e do usuário, tampouco ao desenvolvimento de atividades comerciais –, e nem mesmo como locação por temporada, vez que esta espécie, nos termos do art. 48 da lei nº 8.245/91, possui prazo máximo de 90 dias.

Ou seja, a locação por meio de plataformas digitais não compatibiliza com qualquer espécie de contrato atualmente tipificada, cabendo neste ponto ao legislador regulamentar tal modalidade, o que em breve poderá ocorrer com o Projeto de Lei n° 2474, de 2019, que ainda aguarda designação de relator e que busca estabelecer a necessidade de expressa previsão na convenção de condomínio para que seja permitida a locação por meio de aplicativos ou plataformas de intermediação.

Caso consolidado o entendimento do STJ ou aprovada a proposta legislativa, o proprietário passará a estar obrigatoriamente submisso à convenção do condomínio, que deverá prever a possibilidade de utilização de tais plataformas – restando, em consequência lógica, vedada essa destinação na hipótese de omissão da convenção.

Para os condomínios que tiverem interesse em alterar suas convenções para acomodar essa nova modalidade negocial, a modificação deverá ser deliberada em assembleia conforme o disposto no art. 1.351 do Código Civil, que teve sua redação recentemente ajustada para estabelecer o quórum de 2/3 dos condôminos para alteração da convenção, bem como para mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária.

Caso o condomínio opte por vedar a prática, por outro lado, não poderá o condômino adepto da utilização de plataformas arguir restrição ao seu direito de propriedade, vez que este direito deve ser exercido em consonância com as finalidades econômicas e sociais do condomínio, ou seja, nestes casos a propriedade não é absoluta e a convenção é soberana.

Independentemente de termos ou não uma regulamentação definitiva do tema em um futuro próximo, fato é que o mercado é extremamente dinâmico e surgem cada dia mais novas tecnologias disputando espaço com as formas tradicionais de serviços.

Nesse cenário, é importante ressalvar que a locação por meio de plataformas digitais representa a mais pura livre iniciativa, e que as inovações negociais e tecnológicas desenvolvidas pelos particulares, quando lícitas, não podem estar à constante mercê da vontade do Estado, de modo que proibir este tipo de relação em qualquer condomínio certamente acarretará em grande perda econômica para a sociedade, de modo geral, e, sobretudo, para empresas que incentivam novos mercados e promovem o desenvolvimento social.

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